Síndrome do Alcoolismo Fetal
A tragédia que pode ser evitada
A tragédia que pode ser evitada
George Steinmetz
“Quando Malcolm nasceu, meu coração se partiu”, ela disse.
“E a culpa, meu Deus, o sentimento de culpa...”
“E a culpa, meu Deus, o sentimento de culpa...”
Quando descobriu que estava grávida, Ellen O’Donovan estava perdendo a luta contra o alcoolismo. Meses mais tarde, seu filho nascia com a síndrome do alcoolismo fetal.
Encontrei-os em Dublin, durante minha missão fotográfica. Ela e seu filho Malcolm, de 3 anos, vivem numa pequena cidade na costa da Irlanda. Tinham viajado de ônibus durante 6 horas para consultar o médico, um especialista que trata da visão muito deficiente de Malcolm — uma das inúmeras deficiências relacionadas ao álcool.
A síndrome do alcoolismo fetal, SAF, termo usado para descrever o dano sofrido por alguns fetos quando a mãe bebe durante a gravidez, foi identificada pela primeira vez por volta de 1970. Dependendo da fase da gravidez e da quantidade ingerida, o álcool na corrente sangüínea materna pode ter efeito tóxico sobre o fetoem formação. O defeito varia de leve a grave, causando gestos desajeitados, problemas de comportamento, falta de crescimento, rosto desfigurado, retardo mental.
O médico havia dito a Ellen que um jornalista americano queria fotografá-la com o filho. Ela concordou, na esperança de que outras mulheres aprendessem com o trágico erro que cometera. Entretanto, quando comecei a preparar a máquina, hesitou. Respirou profundamente e começou a falar.
“Naquela época, eu tomava uma garrafa de vodka por dia. Estava tão fora da realidade que nem sabia que estava grávida de dois meses. Assim que descobri, parei de beber, mas o dano já estava feito”.
Os O’Donovan não estão sozinhos. A cada ano, nascem milhares de bebês com defeitos relacionados ao álcool e a síndrome do alcoolismo fetal é uma das principais causas desconhecidas de retardo mental.
Malcolm nasceu com tamanho abaixo do normal, seus rins e o estômago não funcionam bem. Teve que ser alimentado por sonda até os 14 meses. Sua cabeça é menor do que o normal, ele apresenta anomalias faciais típicas da criança que sofre de SAF: olhos pequenos e afastados, lábio superior fino, nariz pequeno e arrebitado, queixo retraído. Nasceu com defeito nas córneas e pálpebras caídas. Mais tarde, por meio de uma cirurgia, obteve visão limitada no olho direito.
A síndrome do alcoolismo fetal é irreversível e Ellen está dedicando sua vida a cuidar do filho. “Felizmente, ele não parece retardado”, diz ela. “Está até começando a falar um pouco. Todos os dias, trabalho com ele, ajudando-o a aprender a fazer aquilo que as crianças normais fazem”.
Fiquei comovido ao ver como ela o abraçava e o confortava quando ele começava a chorar. Ela confessou-me, emocionada. “Se este garotinho não tivesse nascido, eu teria morrido de tanto beber.” Há 3 anos e meio ela não bebe uma gota sequer.
Mas não vai ser fácil. Desempregada e vivendo com a mãe, Ellen planeja todos os seus dias em torno de Malcolm e das freqüentes vindas a Dublin para consultar vários médicos. Ofereci-me para pagar o ônibus, mas ela recusou: “Só diga às mulheres por aí, se querem ter filhos, fiquem longe da bebida”. Deu um beijo no filho e partiram.
Eu os vi em todos os países que visitei — alguns com o corpinho retorcido, outros com o rosto tragicamente desfigurado. Alguns estavam agitados, enquanto outros pareciam normais. Cada encontro me deixava abalado, pois pouca coisa nesse mundo é tão triste quanto uma criança que sofre os efeitos da síndrome do alcoolismo fetal.
Ann Streissguth, da Universidade de Washington, especialista no comportamento relacionado à síndrome, lamenta: “É tão triste ver que muitas crianças passam pela vida sem que seus males sejam detectados. É preciso ter muita experiência para reconhecer a síndrome, mesmo nos gravemente retardados. Muitas vezes, julgam mal a criança com retardo leve, pois costuma ser extrovertida e faladora. Ninguém imagina que seu sistema nervoso esteja afetado”. À medida que a criança cresce, esses aspectos positivos são freqüentemente abalados por problemas relacionados ao álcool — memória fraca, falta de concentração, raciocínio fraco e incapacidade de aprender com a experiência. Frustradas, algumas vítimas abandonam a escola ou terminam como marginais.
O efeito da síndrome do alcoolismo fetal aparece de modo diferente em cada criança. Na Rússia, encontrei um adolescente que tentava constantemente atingir seus amigos com uma tesoura. Na Suécia, conheci uma garotinha tão doce e tão linda que pensei estar fotografando um anjo.
Pouco se conhece sobre a quantidade de álcool que causa a síndrome. A genética também pode ser um fator. Mesmo no caso de gêmeos, um pode ter sintomas graves enquanto o outro quase não é afetado. Nem todas as mães que bebem têm um bebê com a síndrome. Alguns médicos acham que qualquer quantidade de álcool é um risco para o bebê e quase todos concordam que uma bebedeira é muito perigosa — principalmente durante os primeiros três meses, quando há poucos sinais de gravidez. Como Ellen lamentou, “eu nem sabia que estava grávida. Esta é a tragédia”.
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Fonte: Newsweek, 26.11.90; The Lancet, 12.01.91; The Economist, 23.02.91
Encontrei-os em Dublin, durante minha missão fotográfica. Ela e seu filho Malcolm, de 3 anos, vivem numa pequena cidade na costa da Irlanda. Tinham viajado de ônibus durante 6 horas para consultar o médico, um especialista que trata da visão muito deficiente de Malcolm — uma das inúmeras deficiências relacionadas ao álcool.
A síndrome do alcoolismo fetal, SAF, termo usado para descrever o dano sofrido por alguns fetos quando a mãe bebe durante a gravidez, foi identificada pela primeira vez por volta de 1970. Dependendo da fase da gravidez e da quantidade ingerida, o álcool na corrente sangüínea materna pode ter efeito tóxico sobre o feto
O médico havia dito a Ellen que um jornalista americano queria fotografá-la com o filho. Ela concordou, na esperança de que outras mulheres aprendessem com o trágico erro que cometera. Entretanto, quando comecei a preparar a máquina, hesitou. Respirou profundamente e começou a falar.
“Naquela época, eu tomava uma garrafa de vodka por dia. Estava tão fora da realidade que nem sabia que estava grávida de dois meses. Assim que descobri, parei de beber, mas o dano já estava feito”.
Os O’Donovan não estão sozinhos. A cada ano, nascem milhares de bebês com defeitos relacionados ao álcool e a síndrome do alcoolismo fetal é uma das principais causas desconhecidas de retardo mental.
Malcolm nasceu com tamanho abaixo do normal, seus rins e o estômago não funcionam bem. Teve que ser alimentado por sonda até os 14 meses. Sua cabeça é menor do que o normal, ele apresenta anomalias faciais típicas da criança que sofre de SAF: olhos pequenos e afastados, lábio superior fino, nariz pequeno e arrebitado, queixo retraído. Nasceu com defeito nas córneas e pálpebras caídas. Mais tarde, por meio de uma cirurgia, obteve visão limitada no olho direito.
A síndrome do alcoolismo fetal é irreversível e Ellen está dedicando sua vida a cuidar do filho. “Felizmente, ele não parece retardado”, diz ela. “Está até começando a falar um pouco. Todos os dias, trabalho com ele, ajudando-o a aprender a fazer aquilo que as crianças normais fazem”.
Fiquei comovido ao ver como ela o abraçava e o confortava quando ele começava a chorar. Ela confessou-me, emocionada. “Se este garotinho não tivesse nascido, eu teria morrido de tanto beber.” Há 3 anos e meio ela não bebe uma gota sequer.
Mas não vai ser fácil. Desempregada e vivendo com a mãe, Ellen planeja todos os seus dias em torno de Malcolm e das freqüentes vindas a Dublin para consultar vários médicos. Ofereci-me para pagar o ônibus, mas ela recusou: “Só diga às mulheres por aí, se querem ter filhos, fiquem longe da bebida”. Deu um beijo no filho e partiram.
Eu os vi em todos os países que visitei — alguns com o corpinho retorcido, outros com o rosto tragicamente desfigurado. Alguns estavam agitados, enquanto outros pareciam normais. Cada encontro me deixava abalado, pois pouca coisa nesse mundo é tão triste quanto uma criança que sofre os efeitos da síndrome do alcoolismo fetal.
Ann Streissguth, da Universidade de Washington, especialista no comportamento relacionado à síndrome, lamenta: “É tão triste ver que muitas crianças passam pela vida sem que seus males sejam detectados. É preciso ter muita experiência para reconhecer a síndrome, mesmo nos gravemente retardados. Muitas vezes, julgam mal a criança com retardo leve, pois costuma ser extrovertida e faladora. Ninguém imagina que seu sistema nervoso esteja afetado”. À medida que a criança cresce, esses aspectos positivos são freqüentemente abalados por problemas relacionados ao álcool — memória fraca, falta de concentração, raciocínio fraco e incapacidade de aprender com a experiência. Frustradas, algumas vítimas abandonam a escola ou terminam como marginais.
O efeito da síndrome do alcoolismo fetal aparece de modo diferente em cada criança. Na Rússia, encontrei um adolescente que tentava constantemente atingir seus amigos com uma tesoura. Na Suécia, conheci uma garotinha tão doce e tão linda que pensei estar fotografando um anjo.
Pouco se conhece sobre a quantidade de álcool que causa a síndrome. A genética também pode ser um fator. Mesmo no caso de gêmeos, um pode ter sintomas graves enquanto o outro quase não é afetado. Nem todas as mães que bebem têm um bebê com a síndrome. Alguns médicos acham que qualquer quantidade de álcool é um risco para o bebê e quase todos concordam que uma bebedeira é muito perigosa — principalmente durante os primeiros três meses, quando há poucos sinais de gravidez. Como Ellen lamentou, “eu nem sabia que estava grávida. Esta é a tragédia”.
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Fonte: Newsweek, 26.11.90; The Lancet, 12.01.91; The Economist, 23.02.91