sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Expectativas sobre bebês - parte 1


Enquanto minha filha cresce, eu presto mais atenção nas expectativas que colocamos sobre os bebês nos dias de hoje. Desde a expectativa razoável de que irão andar (algum dia), até a mais absurda de que seu bebê deveria dormir a noite toda (e outras milhares entre essas), parece que estamos botando muito peso nos ombros dos bebês ultimamente. E não estou convencida de que isso seja para o bem deles. Eu gostaria de falar sobre essas expectativas – quais são, por que as temos, e se fazem algum mal – com a esperança de que alguns pais poderão deixar de lado essas expectativas e simplesmente desfrutar a caminhada pela qual o bebê os estão conduzindo. Ou pelo menos decidir quais delas são razoáveis e quais podem estar causando à família mais estresse e angústia que o necessário. Afinal, ser pai já é uma tarefa que exige bastante dos pais sem ter que criar expectativas irracionais sobre as crianças, expectativas estas às quais a criança não pode corresponder sem passar por dor e sofrimento para todos.

Expectativas físicas

Essas são provavelmente as primeiras expectativas a emergir porque podemos incluir aqui o número de vezes em que seu recém-nascido deveria fazer xixi, cocô, quantas horas deveria dormir, etc. Vou deixar o sono em uma categoria à parte, (na qual irei chegar em seguida), mas vamos olhar primeiro as expectativas físicas do tipo "grudento", pois eu não me lembro de conhecer um pai que não tenha começado a contar as vezes em que o bebê faz xixi ou cocô desde o primeiro dia de vida.

Começando nas turmas de pré-natal, você recebe a informação de que seu recém-nascido deve fazer xixi entre 5 a 6 vezes, e cocô pelo menos 1 vez por dia. Então é isso que esperamos que nossos recém-nascidos façam. Deus ajude os pais dos bebês que fazem xixi apenas 4 vezes ao dia, ou passam um dia inteiro sem fazer cocô. Nossa expectativa de que existe esse número fixo que é o correto é tão forte a ponto de existirem fóruns para esses pais – eles podem ficar online, entrar em pânico enquanto escrevem suas perguntas, e então receber muitas respostas sobre como isso é PROVAVELMENTE normal, mas que talvez queiram ligar para o pediatra, só por via das dúvidas.

Eles podem até perder o sono por causa disso, acordar o bebê mais frequentemente para mamar mais por causa do medo de que isso seja devido ao fato de não estar recebendo leite suficiente, ou então ficarem estressados o tempo todo até que o bebê comece a seguir o padrão "esperado".

Conforme nossos bebês ficam mais velhos, começamos a aumentar essa lista. Estão engatinhando? Batendo palmas? Arrastando-se? Andando? Pegando pequenos objetos com o movimento de pinça? Nós agimos como se esses marcos de desenvolvimento devessem ser atingidos até uma certo estágio, ou o mundo irá acabar. Se você admitir que seu filho não atingiu um deles, você corre o risco de receber aquele olhar – você sabe qual – que diz "Você deveria começar a pensar que seu filho é um pouco lento".

Então o estresse continua, e os fóruns online transbordam com mais palavras de conforto, mas que sempre trazem um conselho sombrio escondido de que seria bom consultar o pediatra a respeito. Eu posso perguntar o que um médico vai poder fazer a respeito disso? Eu gostaria de conhecer um médico que fosse capaz de fazer um bebê imediatamente engatinhar, bater palmas, deambular, andar, ou pegar objetos pequenos. Claro que eles podem checar problemas físicos, mas vamos encarar a verdade, se existir um problema físico, ele provavelmente irá se manifestar de várias formas, e não apenas no fato do seu bebê não estar engatinhando aos 7 meses.

Essas expectativas se tornaram tão ruins que eu cheguei a conhecer pais cujos bebês de 13-14 meses de idade ainda não estavam andando, e chegavam a pedir desculpas por causa disso. Eles começavam suas frases com "Me desculpe, mas..." Eu deveria começar a me desculpar com outros pais porque minha filha tem apenas 6 dentes? Isso não é o suficiente?

Eu acho que os pais precisam relaxar um pouco mais. Vamos começar com engatinhar porque é uma das primeiras expectativas com as quais os pais começam a realmente se preocupar. Todos os livros nos dizem que por volta dos seis meses de idade (ou um pouco depois) o seu bebê deveria começar a engatinhar. Mas isso ignora algumas mudanças muito reais que aconteceram ultimamente e não foram levadas em conta. Pesquisas recentes mostraram que estamos agora estamos atrasados alguns meses em relação a essas idades medianas.[1].

Por que a mudança? No esforço maravilhoso para diminuir os casos de morte súbita dos bebês (SIDS), estamos colocando nossos bebês para dormir de costas, então eles não estão se acostumando com os movimentos de se empurrarem para cima e de rolar. Nenhum dos padrões na literatura sequer se preocupou em atualizar esses dados, levando pais à paranóia pelo mundo afora. Mas existe mais, pois dentre os bebês um grupo de 5% nunca chegava a engatinhar, e começava logo a ficar de pé e andar, mas esse número parece estar crescendo também, como resultado da campanha de dormir de costas (e outros tantos encontram outras formas de se movimentar, como ir se arrastando de bumbum no chão ao invés de engatinhar). Além disso, algumas pessoas sugerem que a idade em que o bebê começa a engatinhar e andar, é inversamente proporcional ao peso dele.

Apesar de não haverem estudos sobre esse assunto (que eu tenha encontrado), isso faz sentido. Bebês mais pesados precisam sustentar mais peso para engatinhar, então demorariam um pouco mais de tempo para desenvolver essa habilidade do que os bebês leves.
E a respeito de andar? Dr. Sears tem um resumo sobre andar cedo x andar tarde que sugere que o tipos de personalidade também está associado a isso[2]. Enquanto bebês que andam cedo parecem ser impulsivos, os que demoram a andar podem ser mais cautelosos e esperar até que tenham dominado a habilidade antes mesmo de tentar usá-la (o que significa que os que andam mais tarde também são menos propensos a ter acidentes). Além disso, a questão do peso também é mencionada pelo Dr. Sears – bebês mais esbeltos tendem a andar mais cedo pela mesma razão.

Nós devemos nos perguntar quais os efeitos dessas expectativas? Para começar, nós temos pais forçando seus bebês a fazer coisas como ficar de bruços, comprando brinquedos para 'ajudar' o bebê a engatinhar (ou andar ou bater palmas), e pais ansiosos tentando forçar esses marcos de desenvolvimento nos seus bebês. Muitos bebês odeiam ficar de bruços, então essa acaba se tornando uma atividade estressante para eles. O mesmo pode ser dito a respeito das diversas maneiras com que os pais tentam forçar suas crianças a cumprir essas habilidades.

Quanto aos brinquedos, eles podem ser divertidos para os bebês, mas nem sempre de uma forma que os fará andar ou engatinhar, e se os pais não deixarem o bebê simplesmente se divertir com o brinquedo, é um outro exemplo de atividade que irá causar estresse. Em um nível mais profundo, temos alguns pais que são eternamente estressados a respeito de seus filhos, ao invés de simplesmente aproveitar o tempo que têm com eles.

Mesmo não tendo sido estudado experimentalmente, eu imagino que um cuidador que está sempre preocupado (ainda que dentro do que decidimos ser o nível 'normal' de preocupação) e pensando que sua criança não está atingindo o esperado, vai passar um pouco desse estresse para a criança, e isso também não deve ser nada saudável. Os bebês absorvem nossos estímulos emocionais muito bem [3] e é bom que nos lembremos disso – nosso estado emocional os afeta da mesma forma que afeta a nós mesmos.

Apesar da grande quantidade de preocupações sobre expectativas físicas, elas infelizmente tendem a ser as menores de nossas preocupações, quando se trata das nossas expectativas sobre bebês. Mesmo que hajam exceções óbvias, muitas pessoas parecem ser capazes de se acalmarem o suficiente a respeito dos marcos de desenvolvimento físicos, sabendo que um dia chegarão lá, mesmo que em cima da hora.

Expectativas de sono
Vou começar dizendo que não há como abordar esse tópico de forma breve, mas espero falar de alguns pontos principais. Em algum lugar do tempo, pais das sociedades ocidentais decidiram que seus bebês deveriam dormir de acordo com os horários dos adultos. Não sei dizer como ou porquê isso aconteceu, mas essa é a nova expectativa para bebês quando o assunto é dormir. Espera-se que aqueles com cinco meses de idade durmam a noite toda, e se não conseguem, bem, aí você tem que fazer alguma coisa a respeito. Essa expectativa levou a uma avalanche de livros sobre treinamento para bebês – como os bebês não vão fazer por si sós naturalmente, precisamos treiná-los. Afinal de contas, é preciso tratar nossos filhos como cachorros, macacos ou animais de circo, você não sabia disso?

Ma falando sério, eu não posso deixar de me perguntar o que as pessoas pensam a respeito dos bebês para fazê-los pensar que deveriam dormir a noite toda. Primeiramente, o estômago do bebê é PEQUENÍSSIMO (do tamanho de uma ervilha, assim que nasce), então faz sentido que eles precisem acordar regularmente para se alimentar. Além da questão do tamanho do estômago, o leite materno humano contém umas das mais baixas taxas de gordura e proteína comparado às demais espécies de mamíferos, logo é esperado que os bebês humanos se alimentem com grande frequência para crescer e se desenvolver adequadamente. Em segundo lugar, um ciclo cicardiano normal do ser humano pode levar cerca de nove meses para se desenvolver (para ler a respeito desse conceito, veja [4]), o que quer dizer que mexer com esse ritmo antes do tempo pode ser prejudicial para o desenvolvimento dos padrões de sono da criança mais tarde.

Fora essas razões muito reais, físicas, para acordar, existem outras para se crer que é muito adaptativo o motivo para crianças muito novinhas acordarem durante a noite. Por exemplo, James McKenna tem uma hipótese (e está pesquisando) a utilidade dessas acordadas noturnas como um mecanismo de defesa contra a morte súbita (SIDS)[5][6]. A hipótese é baseada na premissa de que uma das manifestações da morte súbita é que os bebês entram em um estado do qual não conseguem despertar e o corpo simplesmente "se desliga". As acordadas, então, servem para manter o cérebro acordado (por assim dizer) e manter o bebê vivo (de acordo com essa hipótese).

Somando-se à hipótese de McKenna, é sabido que os recém-nascidos não possuem o mesmo ciclo fisiológico de dormir-acordar que os adultos[7], e assim, tentar forçar esse padrão sobre eles pode ter efeitos em sua reação ao estresse. Como seria isso? Bem, o desenvolvimento de nosso ciclo dormir-acordar, ou ritmo cicardiano, é intrinsecamente ligado ao desenvolvimento de nossos ciclos de cortisol, [4][8] então mexer em um parece também afetar o outro.

O que estamos fazendo ao impor essas expectativas? Bem, esse é um enorme tópico que depende de como lidamos com essas expectativas. O fato de existir uma enormidade de livros sobre treinamento para o sono, sugere que não estamos fazendo um favor aos nossos bebês a respeito do que queremos que eles façam, pois métodos como "deixar chorar" têm mostrado ligação com altos níveis de cortisol no cérebro, o que afeta o desenvolvimento neurológico, levando as crianças a um perfil de resposta neurológica de reação ao estresse (para mais informações, veja[9]).

Como uma resposta menos benéfica, crianças que são deixadas para dormir sozinhas (um dos principais pilares desses livros de treinamento de sono) apresentam maiores tendências para desenvolver ligação com 'objetos de segurança' como bichinhos de pelúcia ou cobertores e usá-los como ajuda para o sono[10].


Isso não é uma coisa ruim por si só, mas as implicações disso são que nossas crianças não estão tendo suas necessidades psicológicas atendidas, e assim procuram conforto de outras formas. Como mãe, eu posso dizer que espero ser capaz de oferecer todo o conforto e segurança psicológica que minha filha precisa enquanto criança (porque todos nós sabemos que eles precisarão aprender a lidar com isso quando crescerem, mas a infância não é a época para se começar a impulsionar isso, mas vamos chegar logo lá). Alinhados com a ideia de que um pai não está atendendo as necessidades psicológicas do seu filho ou filha, esses métodos para dormir podem também contribuir para ligações afetivas inseguras, pois eles recomendam que, para o bebê dormir, você deve ignorar seus chamados aflitos, e falhas constantes em responder aos chamados do bebê afetam negativamente a relação afetiva dos pais com seus bebês[11].

É interessante que existem evidências de um circulo vicioso a respeito desses métodos, pois promovem práticas prejudiciais à ligação afetiva e ligações afetivas insuficientes são um fator importante para causar distúrbios de sono na infância.[12]. Vá entender…

E para mamães que amamentam, os efeitos podem ser particularmente negativos. Manter uma oferta de leite materno demanda que a mãe amamente frequentemente, incluindo o período da noite, e na verdade amamentar à noite indica que essa mãe vai manter a amamentação exclusiva (até os 6 meses) e prolongada (até 2 anos ou mais).[13]. Dados os inúmeros benefícios da amamentação, aquela mãe que tiver sua oferta de leite diminuída devido ao fato de forçar o bebê a dormir períodos maiores durante a noite, pode causar efeitos futuros na saúde global (da criança).
Diferentemente das expectativas físicas, as expectativas de sono não desaparecem simplesmente. A pressão sobre os pais, e às vezes sobre os bebês, para que as crianças se encaixem em padrões irreais é incrivelmente grande e só aumenta conforme a idade. Como um exemplo clássico disso, estive lendo um trabalho acadêmico sobre problemas de sono ao longo do desenvolvimento e havia uma pequena tabela em uma das páginas que mostrava quais os distúrbios do sono em cada idade [14].

O autor, um certo Dr. Carolyn Thiedke, estabeleceu que acordar à noite era considerado uma "desordem" entre 0-4 meses, e que entre 4-8 meses de vida, qualquer acordada noturna, deveria ser tratada "simplesmente ignorando" e nem sequer sugeria que alguma criança poderia acordar após os 8 meses de idade. Quando a família, os amigos e até os médicos dão esse tipo de informação aos pais, o que eles devem fazer a não ser colocar esse fardo pesado sobre seus pequenos, lindos bebezinhos, criando para si mesmos e seus bebês desgosto e dor?

(Continua na parte 2...)
Por Tracy G. Cassels
Tradução: Gabriela de O. M. da Silva
http://www.evolutionaryparenting.com/?p=503 


[1] Markel H. Who says you have to crawl before you walk? Sudden infant death syndrome, crawling, and medical history. In J. Duffin (Ed.) Clio in the Clinic: History in Medical Practice (pp. 146-159). New York: Oxford University Press (2005).
[2] http://www.askdrsears.com/topics/child-rearing-and-development/walking/when-babies-usually-walk (Accessed September 27, 2011)
[3] Schwartz GM, Izard CE, & Ansul SE. The 5-month-old’s ability to discriminate facial expressions of emotion. Infant Behav Dev (1985);  8:65-77.
[4] de Weerth C, Zijl RH, & Buitelaar JK. Development of cortisol circadian rhythm in infancy. Early Human Development (2003); 7:39-52.
[5] Mosko S, Richard C, & McKenna J. Infant arousals during mother-infant bed sharing: Implications for infant sleep and sudden infant death syndrome research. Pediatrics (1997); 100:841-849.
[6] McKenna J, Thoman EB, Anders TF, Sadeh A, Schechtman VL, & Glotzbach SF. Infant-parent co-sleeping in an evolutionary perspective: Implications for understanding infant sleep development and the sudden infant death syndrome. Sleep (1993); 16:263-282.
[7] Carskadon MA & Dement WC. Normal human sleep: An overview. In MH Kryger, T Roth, WC Dement, & T Roehrs (Eds.), Principles and Practice of Sleep Medicine (4th Ed., pp. 13-23). St. Louis: Saunders (2005).
[8] Spangler G. The emergence of adrenocortical circadian function in newborns and infants and its relationship to sleep, feeding and maternal adrenocortical activity. Early Human Development (1991); 25:197-208.
[9] Gunnar MR. Social regulation of stress in early childhood. In K McCartney & D Phillips (Eds.),Blackwell Handbook of Early Childhood Development (pp. 106-125). Malden: Blackwell Publishing (2006).
[10] Hayes MJ, Roberts SM, & Stowe R. Early childhood co-sleeping: Parent-child and parent-infant nighttime interactions. Infant Mental Health Journal (1996); 17: 348-357.
[11] Ainsworth MDS. The development of infant-mother attachment. In BM Caldwell & HN Ricciutti (Eds.), Review of child development research (Volume 3, pp 1-94); Chicago: University of Chicago Press (1973).
[12] Benoit D, Zeanah CH, Boucher C, & Minde KK. Sleep disorders in early childhood: Association with insecure maternal attachment. Journal of the American Academy of Child & Adolescent Psychiatry(1992); 31:86-93.
[13] Ball HL, Klingaman KP. Breastfeeding and mother-infant sleep proximity: implications for infant care. In W Trevathan, EO Smith, JJ McKenna (Eds.), Evolutionary medicine, 2nd ed (pp. 226-241). New York: Oxford University Press (2007).
[14] Thiedke CC. Sleep disorders and sleep problems in childhood.  American Family Physician (2001); 63:277-284.

Seguidores