Estrepto: Que bicho é esse?
por Kalu do blog: http://www.mamiferas.com/blog/
Com 37 semanas de gestação, as enfermeiras obstetras que atenderam a meu parto domiciliar pediram para que eu fizesse um exame para saber se eu era Estrepto B (EGB) positiva. Na época fiz o exame sem questionar o que faria com o resultado.
Poucas pessoas sabem, mas entre 15 a 40% (média 30%) das gestantes são Estrepto B positivas com a colonização na vagina e/ou reto. Muitas dela, como eu, não tem sintoma nenhum e a bactéria não causa nenhum dano físico.
Das mulheres portadoras da bactéria (deixando nem claro que não é uma doença sexualmente transmissível), 40 a 70% (média 50%) dos bebês podem ser também colonizados (antes ou depois do parto), sem que isso represente necessariamente infecção/doença. Ou seja, grande parte dos bebês, filho de mães positivas, será colonizada pela bactéria e seu sistema imunológico se encarregará de combater essa bactéria simples.
A contaminação pode ser intra-uterina, a bactéria que através da vagina chega até o útero (mais uma razão para evitar exames de toque, principalmente com gestante com bolsa rota), pela aspiração de líquido amniótico contaminado ou durante a passagem pelo canal de parto (esta última forma leva geralmente a colonização cutânea ou da mucosa). Vale ressaltar que a amamentação não transmite a bactéria para o bebê.
A bactéria também pode atravessar a bolsa. Se alguém indicar uma cesariana devido a colonização, é bem desinformado (ou mais um mito da cesárea).
E o que a bactéria pode causar? Em uma pequena parcela das mulheres infectadas Infecção urinária (cistite, pielonefrite) e uterina (corioamnionite, endometrite). Há também relatos de infecção pós-parto nas feridas (cesárea, episiotomia, lacerações perineais), meningite e sepse.
No bebê, em raríssimos casos, que falarei mais adiante,pneumonia, sepse neonatal, meningite, osteomielite, artrite séptica. Os sintomas da doença costumam aparecer do primeiro ao sétimo dias de vida, usualmente nas primeiras 6 a 12 horas.
Para combater a bactéria basta usar um antibiótico na veia (penicilina). Existem casos, sem estudo de eficiência, com uso do antibiótico via oral. E quem deve receber o antibiótico? Uma mulher com um ou mais fatores de risco* como com parto antes da hora (antes das 37 semanas) mesmo com bolsa íntegra; febre inexplicável durante o trabalho de parto, bolsa rota por mais de 18 horas antes do parto, antecedente de bebê anterior acometido pela bactéria e infecção urinária por estrepto B na gestação atual.
No Brasil não há consenso quanto à profilaxia. No SUS o exame não é obrigatório e a conduta pelo desconhecimento da colonização da bactéria leva a mulher a receber o antibiótico se apresentar os fatores de risco acima descritos ou no caso de mais de 18 horas de bolsa rota.
No Reino Unido e Europa de maneira geral são seguidas as diretrizes de 2003 do Royal College of Obstetricians and Gynaecologists (RCOG): Não se adota triagem no prenatal de rotina e o antibiótico endovenoso só é ministrado quando existe a presença de fatores de risco * (pelo menos 2), incluindo cultura “incidental” positiva de vagina ou urina, e presença de infecção neonatal por Estrepto B na gestação anterior.
O Canadá segue as diretrizes sugeridas em 2001 pelo Canadian Task Force on Preventative Health Care: exame para saber se a mãe é estrepto positiva e o uso de antibiótico para mulheres positivas com um fator de risco clínico *. Com essa recomendação houve redução de 51% da taxa de infecção dos bebês por estrepto.
A biblioteca Cochrane fez algumas revisões de estudo que mostrarm que o uso do antibiótico durante o trabalho de parto reduziu as taxas de colonização por EGB e de infecção neonatal precoce, porém não teve impacto sobre a mortalidade neonatal.
Quais as chances de uma gestante de baixo risco colonizada pela bactéria?
- 1/200 (0,5%) de bebê com infecção por EGB se não receber antibiótico
- 1/400 (0,25%) de bebê com infecção por EGB se receber antibiótico
- 6/100 (6%) de óbito entre os bebês que desenvolvem infecção por EGB
- 6% de 0,5% significa dizer que 3/10000 (0,03%) de bebês nascidos de mães EGB positivas que não receberam antibióticos morrerão da infecção.
- 1/10000 (0,01%) de reação alérgica grave à penicilina (anafilaxia) – que se não tratada, significa óbito para mãe e bebê
- 1/10 (10%) de reação alérgica leve à penicilina
- Desta maneira, o estima-se que “salvamos” 2/10000 (0,02%) de bebês administrando antibiótico durante o Trabalho de Parto.
Uma mulher que faz o exame e deu negativo não significa que ela esteja imune. Ela pode ser colonizada a qualquer momento. E um negativo para esse exame não significa que essa mulher terá um bebê saudável.
O uso do antibiótico na mãe pode favorecer queda da imunidade em curto prazo e alergias no bebê a médio/longo prazo. Isso não é algo que deveríamos levar em consideração? Uma questão levantada por um querido médico da humanização em uma das listas que debatem o assunto ressaltou um ponto significativo. O problema não é a bactéria, porque a maior parte dos bebês pode ser contaminada sem nenhum tipo de problema. A questão de um bebê contaminado com desenvolvimento da doença é devido ao comprometimento imunológico desta criança. Outro ponto para ser pensado: a possibilidade de surgimento de grupos da bacteria que se tornam resistentes à penicilina com o uso excessivo do antibiótico.
Isso tudo me faz pensar se esse “bombardeio” sobre essas questões do EGB não poderia estar relacionado com estratégia de marketing da indústria farmacêutica?
Muitas parteiras/obstetrizes fora do Brasil descrevem que estão substituindo o antibiótico intravenoso pelo oral com sucesso (apesar de não ser recomendado por nenhuma organização médica, pela baixa efetividade). Tal opção é feita porque o antibiótico na veia pode dificultar que a mulher fique de pé, caminhe e mantenha um parto realmente ativo. Sem contar que no segundo parto as mulheres podem não receber uma dose “cheia” do antibiótico no momento do parto se não forem logo ao hospital ou se o parto for muito rápido.
Qual seria o real motivo da não recomendação de antibiótico oral pelas organizações médicas? Talvez a questão seja a baixa efetividade e sim o poder da tutela médica, à medida que ao insistirem na profilaxia intravenosa, os médicos têm o controle do processo natural do parto, e o guardam como evento estritamente hospitalar.
Sobre essa questão em relação ao parto domiciliar, acho que as equipes médicas e de parteiras (enfermeiras obstetras e obstetrizes) acaba optando por não aceitar mulheres estrepto positivo ou na melhor das hipóteses fazem o uso do antibiótico para se protegerem, uma vez que as equipes são visadas pelos médicos tradicionais que fazem a caça às bruxas.
Eu fui uma paciente estrepto positivo que optou por um parto domiciliar sme uso de antibiótico (nem via oral, nem endovenoso). Tive a sorte de ter um trabalho de parto com bolsa rota de 40 minutos. Talvez se fosse de outra forma, a equipe ficasse tensa em relação a bactéria em um parto mais demorado.
Acho que a questão é alinhar-se com a equipe que prestará a assistência, decidindo a melhor conduta , levando em conta todas as questões levantadas neste post.
Eu não abriria mao do meu parto domiciliar por esta bactéria, que a meu ver é bem amis inofensivas que as possíveis bactérias de um ambiente hospitalar. Sem contar que no hospital há um risco maior de intervenções que podem desencadear problemas igualmente sérios.
Tudo é uma questão de informar, questionar e decidir conscientemente. Se tivesse outro filho, nem faria o exame. Porque a chance de um bebê saudável morrer por conta desta bactéria é menor do que o risco de um acidente de carro para chegar no Hospital. E se um bebê tem deficiências imunológicas, outras bactérias podem causar outros problemas a ele.
Obs: As informação deste texto foi retirada da apresentação da Dra Catia Chuba e Dr. Jorge Kuhn datada de 2007.