O QUE É UMA DOULA, QUAL O SEU PAPEL E IMPORTÂNCIA?
Por: Kaanda Barros Ribeiro psicóloga CRP-11 07527, psicoterapeuta individual (adolescente e adulto) e educadora perinatal (atendimento psicológico, grupos terapêuticos e cursos para gestantes, parturientes e puérperas).
A Lei Nº 11.108, de 7 de abril de 2005 altera a Lei Nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, para garantir às parturientes o direito à presença de 01 acompanhante durante o trabalho de parto, parto e pós-parto imediato, no âmbito do Sistema Único de Saúde - SUS.
Infelizmente, existe uma grande distância entre a lei e o seu cumprimento, pois em muitos hospitais este direito não é respeitado. Porém, cabe ás gestantes uma postura mais ativa neste caso, fazendo barulho, falando com os responsáveis pela instituição e procurando meios legais de garantir o cumprimento da lei, só assim é possível fazê-la valer.
Esta lei é consequência da compreensão da importância deste momento na vida da mulher e do bebê que está atrelada a várias razões, tais como: o parto representa um rito de passagem de um estado a outro que é inevitável e irreversível e por tal motivo é fruto de grande ansiedade; o medo e insegurança também são frequentes por nunca poder saber exatamente como será o trabalho de parto e parto - mesmo quando é uma cesárea marcada – porque “o parto é um caixinha de surpresas”; o parto é um processo abrupto que rapidamente introduz mudança intensas no corpo, na alma, nas relações familiares, nos hábitos e rotinas, nos papéis e responsabilidades, logo é fonte de sentimentos ambíguos, tais como alegria e tristeza, medo e confiança, etc. ; por fim, ocorre a rompimento da unidade mãe-bebê, a mulher vê seu filho concretamente como um ser individual e a depender de como foi simbolizado este vínculo durante a gestação, a mulher pode sentir que não está preparada ou não querer viver esta separação. Ou seja, nesta transição de “ser apenas um para ser dois” a mulher passa por uma experiência de abertura e rompimento física e emocional (MALDONADO, 1980).
Dessa forma, é comum a mãe sentir-se mais vulnerável neste momento, a intensidade desses sentimentos é decorrente de vários fatores como: aspectos socioculturais, psicoemocionais, familiares e de como foi a vivência da gestação e preparação para o parto. De qualquer maneira, diante desta breve introdução, fica claro que neste momento a mulher precisa sentir-se a apoiada, acolhida, compreendida, cuidada e segura. Entretanto, com a transformação do parto e nascimento em fenômenos médicos e a consequente padronização de intervenções tecnológicas, o que se revela é uma crescente uma dissociação entre os aspectos somáticos e emocionais na atenção à parturiente, bem como o aumento de reclamações sobre maus-tratos e falta de humanização (MALDONADO, 1980).
Diante desta realidade, torna-se claro a importância de uma acompanhante preparada para lidar com este momento tão especial e delicado. Essa mulher é a doula!
Doula – uma acompanhante especial
As evidências mostram que a presença de uma doula ou acompanhante de parto profissional que não esteja ligada a instituição é benéfica, e não há nenhuma contra-indicação. A Organização Mundial de Saúde, o Ministério da Saúde e as últimas revisões científicas são unânimes: mulheres acompanhadas de doula apresentam baixo índice de morbi-mortalidade materna e neonatal (DINIZ E DUARTE, 2004).
Doulas são acompanhantes de parto treinadas para oferecer suporte físico, emocional e afetivo ao casal durante o trabalho de parto e parto. A Organização Mundial de Saúde no seu guia Assistência ao Parto Normal; um guia prático(OMS/SRF/MSM 96.24), p. 13, se refere à doula como:
...uma prestadora de serviços que recebe um treinamento básico sobre parto e que está familiarizada com uma ampla variedade de procedimentos de assistência. Fornece apoio emocional, consistindo de elogios, reafirmação, medidas para aumentar o conforto materno, contato físico, explicações sobre o que está acontecendo durante o trabalho de parto e parto e uma presença amiga constante.
O Ministério da Saúde, por meio da publicação Parto, aborto e puerpério – assistência humanizada á mulher (2001, p. 64-7), afirma que:
A acompanhante treinada, além do apoio emocional, deve fornecer informações à parturiente sobre todo o desenrolar do trabalho de parto e parto, intervenções e procedimentos necessários, para que a mulher possa participar de fato das decisões acerca das condutas a serem tomadas durante este período. Durante o trabalho de parto e parto, a acompanhante: orienta a mulher a assumir posições que mais lhe agrade durante as contrações; favorece a manutenção de um ambiente tranquilo e acolhedor, com silêncio e privacidade; auxilia na utilização de técnicas respiratórias, massagens e banhos mornos; orienta a mulher sobre métodos para alívio da dor; estimula a participação do marido ou companheiro em todo o processo; apoia e orienta a mulher durante todo o período expulsivo, incluindo a possibilidade da liberdade de escolha quanto a posição a ser adotada.
Fica evidente, a partir das citações acima que a doula é uma grande aliada no processo de Humanização da Assistência ao Parto e Nascimento, pois representa uma figura que conhece as normas da OMS e do MS quanto ao cuidado a parturiente, buscando oferecer o ambiente mais adequado para facilitar o trabalho de parto e parto. A doula representa um apoio psicoemocional e físico para a mulher e seu companheiro durante este momento tão especial e delicado, conforme exposto inicialmente. Vale ressaltar que a doula não executa procedimentos médicos e não deve responder a nenhuma decisão tomada durante o trabalho de parto e parto, porém é sua função esclarecer e conscientizar a sua doulanda (mulher que recebe o apoio da doula) sobre as possíveis intervenções e estimular o empoderamento da mãe, bem como a participação ativa do pai neste processo. A relação da doula com a equipe médica é de parceria, ela tem a missão de fazer com que o plano de parto da parturiente seja respeitado, dentro das possibilidades da instituição.
Outro aspecto importante a ser ressaltado, é a fato da criação do vínculo entre os pais e a doula, há uma continuidade nesta assistência, que se inicia durante a gestação e inclui informações, técnicas e exercícios de preparação para o parto. A doula é a primeira a chegar à casa da parturiente, acompanha todo o trabalho de parto e o parto propriamente dito, oferece atenção durante o pós-parto imediato e muitas vezes acompanha a mãe no puerpério, orientando e auxiliando nas novas funções (principalmente no que concerne a amamentação e cuidados básicos com o bebê), mudança de rotina e transformações físicas, emocionais e sociais que a mulher enfrenta junto com sua família.
Doula ainda não é uma profissão, mas uma ocupação (estágio que vem antes de profissão) que vem sendo legalizada pelo Ministério do Trabalho e está crescendo a cada dia. A procura por Doulas tem aumentado nos últimos anos em todo país, mas dificilmente hoje alguém será contratada como Doula por uma instituição. Para atuar como Doula hoje existem dois caminhos:
- Doula voluntária: trabalha em um hospital público (existem maternidades no Brasil que oferecem ou querem oferecer este serviço para reduzir taxas de cesarianas e humanizar a assistência) ou Casas de Parto.
- Doula autônoma: acompanha partos de mulheres que queiram o parto normal, ajudando-as a realizar este parto (seja hospitalar ou domiciliar), buscando profissionais parceiros e o local mais adequado, e as acompanha durante parte da gravidez, parto e pós-parto.
Para se tornar uma doula, não precisa necessariamente ser da área de saúde, entretanto, isso ajuda na aceitação de outros profissionais e na procura dos clientes, que sentem maior segurança. Existem vários locais que oferecem o curso de formação de doulas, em São Paulo capital tem o GAMA – Grupo de Apoio a Maternidade Ativa, em Ribeirão Preto surgiu uma nova proposta chamada de “Despertar do Parto”, em Fortaleza-CE pode-se encontrar tal curso no grupo Mãe do Corpo – espaço de apoio à maternidade, entre muitos outros espalhados por todo o Brasil. O requisito básico é sentir profunda identificação com o trabalho e estar disposta a passar madrugadas e dias acordada apoiando mães e familiares a trazer uma nova vida ao mundo. Esta disponibilidade é um dos fatores que contribuem para que os médicos prefiram à cesariana e até desistam da prática obstetra e atuem apenas como ginecologistas. Assim, para que o Brasil possa diminuir sua elevadíssima taxa de cesáreas faz-se muito importante a multiplicação de doulas em todo o país e num futuro próximo a absorção do SUS desta função tão essencial no resgate do parto como evento fisiológico e natural.
Muitas mulheres encontram na figura do doula, alguém que respeita suas necessidades e desejos, compreende seus sentimentos e incentiva o resgate do parto e nascimento como eventos que necessitam de privacidade, acolhimento e que devem ter a mãe como protagonista e não a equipe médica. Salvo casos de gravidez de riscos ou de intercorrência que colocam a mãe e bebê em perigo. “Por fim, o papel da doula assemelha-se ao que a parteira do bairro representava para as mulheres antigamente: uma presença feminina que reassegura, inspira e fornece ombros, braços e coração para os futuros pais” (DINIZ E DUARTE, 2004, p. 85).
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