Artigo de:
Dioclécio Campos Júnior
Professor titular de Pediatria da UnB (Universidade de Brasília)
O ingresso da mulher no mercado de trabalho é conquista de enorme valor humano e inegável dimensão econômica. A libertação de seu admirável patrimônio intelectual, rico em originalidades de gênero, antes represadas, trouxe para a sociedade o componente feminino que faltava à completude do processo de construção social. Na esteira desse avanço, algumas mudanças de costumes revelaram-se inelutáveis. A maior delas se deu na maternidade, alterada pelas novas atribuições que a mulher passou a ter. A função maternal perdeu relevo, dispõe de pouco tempo. O binômio mãe-filho cedeu lugar ao bebê solitário, habitante de creches, cuidado por babás ou pela tia de todos.
O aleitamento materno substituiu-se por alternativas artificiais de alimentação. Essa realidade nega direitos à mulher e à criança. Direitos cuja doutrina se fortalece à medida em que a ciência mostra o caráter essencial da relação mãe-filho nos primeiros tempos da existência da criatura. Com efeito, o cérebro humano cresce com velocidade máxima durante os três últimos meses de gestação e nos seis primeiros de vida extra-uterina. Se não cumprir as metas desse período, não se desenvolverá normalmente. Para crescer no ritmo apropriado, requer nutrientes e estímulos. Os primeiros abundam no leite materno.
Os estímulos vêm com a mãe. O contato corporal com o filho, o som afetuoso emitido a cada carícia, o odor exalado em cada afago, o sorriso de alegria telúrica, o olhar radioso, o embalo espontâneo e a cantiga que brota da alma encantada são estímulos maternos que fazem o cérebro da criança crescer, multiplicando ligações entre os neurônios - as sinapses -, decisivas para o seu desenvolvimento mental. O aconchego resultante de uma interação sensorial tão estreita dá à criança a sensação de pertencimento, referência insubstituível para a estruturação de sua personalidade. Segundo Pedersen, psiquiatra da Universidade de Carolina do Norte, a quantidade e a qualidade dos cuidados maternos nos três primeiros anos de vida determinam a competência social do adulto, a habilidade de lidar com o estresse, a agresividade e mesmo a opção pelo uso de drogas. Há sistemas neuroquímicos, como os da ocitocina e vasopressina, desenvolvidos no cérebro da criança, que operam em sintonia com o afeto materno, reforçando o equilíbrio emocional ou gerando agressividade e outros comportamentos sociais. São sistemas sensíveis aos cuidados com a criança durante os primeiros anos de vida. Seus efeitos dependem do vínculo afetivo que se estabelece entre a mãe, a criança, o pai e a família como primeiro grupo social. Garantem relações estáveis ou podem ser a fonte da violência humana. Por isso, as sociedades que projetam o futuro criam redes sociais de proteção materna, preocupadas com a formação do cidadão.
À luz de tais evidências, a licença-maternidade tem função social de alcance ilimitado. As restrições que enfrenta atestam apenas o atraso da sociedade. Revelam o conceito equivocado de trabalho que confunde licença-maternidade com período de férias. Ignoram o esforço e o cansaço que a função maternal exige da mulher. Em sociedades mais evoluídas, como as da Escandinávia, a licença chega a 68 semanas. No Brasil, esse direito fixado em quatro meses não é uma conquista sem custo emocional para a trabalhadora. As empresas precisam evoluir. O papel social é cada vez mais exigido na atualidade.
A Sociedade Brasileira de Pediatria, em parceria com a OAB, elaborou projeto de lei que prorroga a licença-maternidade por dois meses. Não apenas para a mãe que amamenta. O projeto não é impositivo. Nem a mulher nem a empresa ficam obrigadas a prolongar a licença. Se o fizerem, o Estado assume, mediante renúncia fiscal, os custos dos dois meses suplementares. Não há dispêndio para a empresa nem para a previdência social. Com seis meses de cuidados maternos garantidos à criança, o SUS gastará muito menos em hospitalização pediátrica. O benefício supera o custo da medida. A iniciativa ganhou a autoria da Senadora Patrícia Sabóia e tramita no Senado. Várias prefeituras já se antecipam à decisão do Congresso Nacional e adotam a lei no âmbito municipal. No Ceará, cinco já o fizeram. Vitória (ES) acaba de implantá-la. O estado do Amapá está prestes a aprová-la. A sociedade desperta para as verdadeiras prioridades e começa a investir nas novas gerações. Ao ensejar o vínculo afetivo na idade adequada como direito fundamental do ser humano, o país faz a melhor opção apoiado na ciência e na natureza.
Professor titular de Pediatria da UnB (Universidade de Brasília)
O ingresso da mulher no mercado de trabalho é conquista de enorme valor humano e inegável dimensão econômica. A libertação de seu admirável patrimônio intelectual, rico em originalidades de gênero, antes represadas, trouxe para a sociedade o componente feminino que faltava à completude do processo de construção social. Na esteira desse avanço, algumas mudanças de costumes revelaram-se inelutáveis. A maior delas se deu na maternidade, alterada pelas novas atribuições que a mulher passou a ter. A função maternal perdeu relevo, dispõe de pouco tempo. O binômio mãe-filho cedeu lugar ao bebê solitário, habitante de creches, cuidado por babás ou pela tia de todos.
O aleitamento materno substituiu-se por alternativas artificiais de alimentação. Essa realidade nega direitos à mulher e à criança. Direitos cuja doutrina se fortalece à medida em que a ciência mostra o caráter essencial da relação mãe-filho nos primeiros tempos da existência da criatura. Com efeito, o cérebro humano cresce com velocidade máxima durante os três últimos meses de gestação e nos seis primeiros de vida extra-uterina. Se não cumprir as metas desse período, não se desenvolverá normalmente. Para crescer no ritmo apropriado, requer nutrientes e estímulos. Os primeiros abundam no leite materno.
Os estímulos vêm com a mãe. O contato corporal com o filho, o som afetuoso emitido a cada carícia, o odor exalado em cada afago, o sorriso de alegria telúrica, o olhar radioso, o embalo espontâneo e a cantiga que brota da alma encantada são estímulos maternos que fazem o cérebro da criança crescer, multiplicando ligações entre os neurônios - as sinapses -, decisivas para o seu desenvolvimento mental. O aconchego resultante de uma interação sensorial tão estreita dá à criança a sensação de pertencimento, referência insubstituível para a estruturação de sua personalidade. Segundo Pedersen, psiquiatra da Universidade de Carolina do Norte, a quantidade e a qualidade dos cuidados maternos nos três primeiros anos de vida determinam a competência social do adulto, a habilidade de lidar com o estresse, a agresividade e mesmo a opção pelo uso de drogas. Há sistemas neuroquímicos, como os da ocitocina e vasopressina, desenvolvidos no cérebro da criança, que operam em sintonia com o afeto materno, reforçando o equilíbrio emocional ou gerando agressividade e outros comportamentos sociais. São sistemas sensíveis aos cuidados com a criança durante os primeiros anos de vida. Seus efeitos dependem do vínculo afetivo que se estabelece entre a mãe, a criança, o pai e a família como primeiro grupo social. Garantem relações estáveis ou podem ser a fonte da violência humana. Por isso, as sociedades que projetam o futuro criam redes sociais de proteção materna, preocupadas com a formação do cidadão.
À luz de tais evidências, a licença-maternidade tem função social de alcance ilimitado. As restrições que enfrenta atestam apenas o atraso da sociedade. Revelam o conceito equivocado de trabalho que confunde licença-maternidade com período de férias. Ignoram o esforço e o cansaço que a função maternal exige da mulher. Em sociedades mais evoluídas, como as da Escandinávia, a licença chega a 68 semanas. No Brasil, esse direito fixado em quatro meses não é uma conquista sem custo emocional para a trabalhadora. As empresas precisam evoluir. O papel social é cada vez mais exigido na atualidade.
A Sociedade Brasileira de Pediatria, em parceria com a OAB, elaborou projeto de lei que prorroga a licença-maternidade por dois meses. Não apenas para a mãe que amamenta. O projeto não é impositivo. Nem a mulher nem a empresa ficam obrigadas a prolongar a licença. Se o fizerem, o Estado assume, mediante renúncia fiscal, os custos dos dois meses suplementares. Não há dispêndio para a empresa nem para a previdência social. Com seis meses de cuidados maternos garantidos à criança, o SUS gastará muito menos em hospitalização pediátrica. O benefício supera o custo da medida. A iniciativa ganhou a autoria da Senadora Patrícia Sabóia e tramita no Senado. Várias prefeituras já se antecipam à decisão do Congresso Nacional e adotam a lei no âmbito municipal. No Ceará, cinco já o fizeram. Vitória (ES) acaba de implantá-la. O estado do Amapá está prestes a aprová-la. A sociedade desperta para as verdadeiras prioridades e começa a investir nas novas gerações. Ao ensejar o vínculo afetivo na idade adequada como direito fundamental do ser humano, o país faz a melhor opção apoiado na ciência e na natureza.